A Faca e o Fantasma: O Desafio do TEPT em Salman Rushdie
Por José Paulo Fiks
O escritor indiano, muçulmano “liberal” e radicado na Inglaterra Salman Rushdie já foi amaldiçoado, ameaçado, esfaqueado e quase assassinado. A cada obra, ele desafia fronteiras e crenças, mas em A Faca, seu último lançamento (Ed. Companhia das Letras) transformou sua dor física e emocional em uma literatura em um espaço de guerra psicológica onde o Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) é o verdadeiro protagonista.
Rushdie foi atacado em 2022, um evento literário que parece ter reescrito não só seu corpo, mas também sua visão do mundo. O evento traumático que causa o TEPT costuma ser uma sombra que persegue os que foram marcados, e Rushdie agora carrega esse fardo em cada linha que escreve. Em A Faca, o autor revela um mundo onde o medo, a paranoia e a vulnerabilidade tornaram-se sua nova matéria-prima. Ele, que já foi a voz da irreverência, agora precisa lidar com a brutalidade nua e crua de sua própria mente.
Rushdie trata o trauma não com o distanciamento estético dos que observam de longe, mas como quem ainda sente o gosto amargo de uma lâmina invisível pressionando o pescoço. A Faca é uma confissão brutal e, ao mesmo tempo, um manifesto contra a própria lógica do terror. O que temos aqui é um gênio literário fragmentado, tentando costurar a própria sanidade com o que sobrou de sua coragem.
Rushdie nos arrasta para sua psique, onde o realismo mágico de sua habitual literatura cede lugar ao surrealismo do trauma. Esqueça as reverências; o autor nos faz ver a crueza do pós-ataque. A literatura de Rushdie nunca foi para os fracos, e com A Faca, ele lança uma crítica à sociedade, que assiste de camarote a violência com uma apatia clínica. E o faz ainda maior: como um mártir literário, seu texto agora sangra junto com ele.
Afinal, o que é o TEPT para quem sempre escreveu desafiando tradições religiosas, “deuses e demônios”? Para Rushdie, é um novo campo de batalha, sem misticismo, sem floreios. A guerra agora é dentro de sua própria cabeça — e o leitor é o seu soldado.
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