TRAUMA PSÍQUICO E PERSONALIDADES
Desde os primeiros estudos da clínica do Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT), uma pergunta já ficava no ar: qual seria o impacto de uma vivência traumática sobre a personalidade da pessoa acometida?
Desde o começo da década de 1980, ano de criação do diagnóstico de TEPT muita coisa andou nesta articulação entre o trauma psíquico e possíveis transformações na personalidade de um sujeito acometido pelo TEPT.
Também melhor descrito na mesma década, o Transtorno Personalidade Borderline (TPB) se consagrou como um diagnóstico utilizado pela clínica e contemplado pelas pesquisas. Se pacientes com esse transtorno já significaram um grande desafio para projetos de tratamento, hoje isso não se apresenta mais como um enigma a se decifrar. As formas de abordagem do TPB funcionam muito bem, embora os pacientes demandem um olhar especial e prolongado de tratamento.
As relações entre TEPT e TBP também já estão muito bem estabelecidas. O borderline é um transtorno de personalidade decorrente de experiências crônicas de abuso e da negligência, especialmente na infância, época fundamental para a formação do psiquismo.
Na vida adulta, as alterações de personalidade após vivências traumáticas crônicas são contempladas nos quadros descritos como TEPT Complexo (TEPT-C). Aqui o indivíduo pode apresentar um comprometimento da personalidade como decorrência da exposição prolongada à violência que desencadeia um quadro de TEPT.
Há semelhanças e diferenças entre esses dois quadros. Tanto o TBP quanto o TEPT-C são decorrentes de vivências violentas duradouras e traumatizantes. O borderline se percebe excluído nas relações afetivas, é instável, explosivo, com alguma frequência tenta contra a própria vida, envolve-se em situações de risco e acredita que a recuperação de sua estabilidade mental tenha de ser decorrente de uma relação afetiva idealizada. No TEPT-C acontecem também ideações suicidas com certa frequência, mas o isolamento e os sentimentos de culpa e vergonha são muito mais comuns. Diferentemente do comportamento explosivo do borderline, no TEPT-C, além da apresentação típica do TEPT, o aspecto do paciente é mais retraído, com uma enorme impressão de fracasso de vida, sem esperança para o futuro. Aqui a pessoa traumatizada tem certeza que não é mais a mesma de antes após a longa experiência traumática.
É sempre importante lembrar: essas duas formas traumáticas com comprometimento de personalidade têm bons guias de tratamento. A correta diferenciação entre esses dois quadros contribui para um projeto terapêutico que possa dar conta da sintomatologia e do bom prognóstico dos quadros.
José Paulo Fiks.